quinta-feira, 26 de julho de 2012

Tua, o último fôlego


Debate
Tua, o último fôlego
Por Alberto Aroso

Desde o seu início que o projeto da Barragem do Tua está ferido na sua essência, não só porque o Estudo de Impacte Ambiental (EIA) não contemplou a hipótese zero (não fazer a barragem), como também pela exclusão da UNESCO do processo de decisão, talvez pelo receio do respetivo parecer ser negativo, dada a ferida que o paredão da barragem provoca na paisagem e devido ao estaleiro das obras que ocupa uma área bem superior aos 2,9 hectares sempre referidos, da área classificada do Douro Vinhateiro.

Na sequência do relatório produzido pela ICOMOS, órgão consultivo da UNESCO, esta pronunciou-se, recomendando a paragem imediata das obras para avaliação dos respetivos impactos, sob pena de uma eventual desclassificação do Douro Vinhateiro, ao que o Governo respondeu que não iria suspender a construção da barragem, mas que teria muito gosto em receber cá uma delegação daquela entidade para discutir eventuais alterações ao projeto.

Em resultado da intervenção do embaixador português na UNESCO e dos argumentos por si apresentados na reunião de Junho em São Petersburgo, os membros do comité decidiram votar por unanimidade em alternativa à suspensão, um "abrandamento significativo" dos trabalhos, até à visita de uma missão a realizar até ao final do mês de Julho, que elaborará o relatório final dos impactos da barragem. Pergunto-me que tipo de abrandamento é este? Em que argumentos está suportado? E como se mede e fiscaliza? Pelo que vi no local no dia 14.07.2012, do abrandamento nem sinal, pois os trabalhos continuam a toda força!

Atento o desenvolvimento da obra, os estragos até agora produzidos ainda são reversíveis, na medida em que o paredão ainda não está iniciado e os cortes nas encostas para o respetivo encaixe ainda não têm expressão, estando-se perante o último fôlego do vale do Tua e o último momento para suspensão dos trabalhos para reavaliação de todo o projeto, procurando-se encontrar uma solução que salvaguarde o interesse nacional. A cada dia que passa mais caro será parar a barragem, nomeadamente se a mesma se traduzir no seu abandono definitivo.

É certo que a paragem das obras tem o seu custo para o erário público, mas será maior o prejuízo associado à perda de um vale de património natural de valor incalculável e à eventual perda da classificação do Douro Vinhateiro que, a verificar-se, será mais uma machadada na débil economia de Trás-os-Montes e Alto Douro e uma vergonha internacional!

Nesse sentido, não se compreende a posição assumida pela ministra do Ambiente, Assunção Cristas, que disse não ser possível parar definitivamente a barragem por falta de verbas, dado o valor da indemnização, que ascende a centenas de milhões de euros. Sendo a estimativa do investimento de 300 milhões de euros, ter-se-ia de pagar mais em indemnizações do que o custo total da obra? Na suspensão do TGV não existiram estas preocupações...

A acrescentar a este rol de tristes peripécias, pese embora a segunda condicionante do EIA obrigue a garantir, desde a interrupção do serviço, o transporte regular de passageiros entre a estação de Foz Tua e o apeadeiro de Brunheda, com paragem nas diferentes localidades, assegurando as valências funcionais da linha férrea do Tua, veio a EDP dizer que a lei não a obriga a tal, mostrando mais uma vez desrespeito pelos transmontanos que aí habitam.

Num país em que o turismo é um dos nossos sectores económicos mais importantes e a aposta no touring cultural e paisagístico e no touring na natureza é crucial, um galardão atribuído pela UNESCO é um activo estratégico demasiado valioso e importante para sequer se equacionar pô-lo em causa. Ou seja: nós precisamos da UNESCO e não o contrário!

Um país é um projeto eterno e destruir património natural único é um erro demasiado grave e irreversível, demonstrando uma total falta de visão estratégica para o futuro, na medida em que o turismo é um setor exportador.

Por último, caso a suspensão da barragem venha a ser uma realidade, a única forma de lavar a cara neste processo pouco claro desde o início, poderá ser a resposta com uma candidatura da Linha do Tua a Património da Humanidade, de forma similar ao Bernina Express na Suíça, contrariando-se a decisão em tempo recorde do Igespar de que a mesma não tinha qualquer interesse.

[Público, 2012-07-26]

Sem comentários:

Enviar um comentário