domingo, 29 de janeiro de 2012

Comunicado Constituinte da Plataforma Nacional de Defesa da Ferrovia

O estado actual dos Caminhos-de-Ferro em Portugal é absolutamente desastroso, e o caminho percorrido ao longo dos últimos 30 anos, rico em lições sobre o que não se deve seguir em matéria de política ferroviária, continua a ser teimosamente seguido à letra, agora na figura do denominado “Plano Estratégico de Transportes”.

Portugal foi o único país da Europa Ocidental que nos últimos 20 anos perdeu passageiros na ferrovia: de 229 milhões de passageiros em 1989, no prelúdio da hecatombe ferroviária de Cavaco Silva, para 131 milhões em 2009, no dealbar de novo desastre ferroviário nacional, representando assim uma queda de 43% da procura, enquanto que no mesmo período de tempo a Espanha aumentava o seu tráfego ferroviário de passageiros em 150%.
Entre 1987 e o corrente ano encerraram-se cerca de 1200 quilómetros de caminhos-de-ferro em Portugal, atirando regiões como Trás-os-Montes e Alto Douro e o Alentejo quase que exclusivamente para a rodovia. Tudo isto perpetrado em nome de um equilíbrio das contas, contra um manipulado despesismo das vias-férreas ditas secundárias e altamente deficitárias, que num ano recebiam avultados investimentos e horários absurdos, para no ano seguinte serem encerradas.
Em 1992 existiam 19.500 trabalhadores ferroviários em Portugal; em apenas 17 anos esse número caiu para 8.000 funcionários, mais uma vez a bem do equilíbrio das contas. Os custos com administradores no entanto cresceram neste período de tempo 110%, e o défice conjunto da CP e da REFER aumentou 93%, acompanhados por cada vez menos horários, menos serviços, menos condições nas estações, transbordos impossibilitados por questões de 2 ou 3 minutos, menor manutenção da via, e um imenso desrespeito pelos utentes um pouco por todo o país. A dívida, essa, aumentou entre 1996 e 2010 uns estonteantes 400%.
O transporte de mercadorias, até 1987 comum a praticamente todas as linhas ferroviárias nacionais, desde pequenos despachos a grandes volumes e toneladas de mercadorias avulso, efectua-se agora graças apenas a algumas empresas detentoras de ramais particulares e aos movimentos de alguns portos, e apenas na Via Larga. A esmagadora maioria das mercadorias em trânsito em Portugal passam pelas estradas e auto-estradas, com custos de portagens e de combustíveis que encarecem todos estes bens, para além de aumentar a brutal dependência energética do sector dos transportes, poluição ambiental e atmosférica, e de causar custos penosos em externalidades várias.
Entretanto, Portugal atinge o patamar de país Europeu com mais metros de auto-estrada por quilómetro quadrado – 20 contra os 16 da média europeia – a par das portagens mais caras do Velho Continente, e o rácio do investimento na ferrovia contra o investimento na rodovia tornou-se avassalador: 3,3 vezes mais investimento nas estradas, do que nos caminhos-de-ferro. As portagens das SCUT vão ser em média mais caras do que nas auto-estradas já portajadas, com a agravante das SCUT atravessarem zonas como Trás-os-Montes e Alto Douro, considerada em 2010 a região mais pobre da União Europeia.
Vemo-nos agora na possibilidade de deixar mais duas capitais de distrito sem serviço ferroviário de passageiros – Leiria e Portalegre – destruir ainda mais o potencial inexplorado do aeroporto de Beja ao se fecharem as portas a um acesso ferroviário rápido ao Algarve, privar estupidamente do comboio a Via Estreita com maior procura média de todas (Vouga), e agravar propositadamente o défice da CP ao atirar milhares de utentes para autocarros de substituição, modelo altamente despesista e desmotivador da sua própria utilização. Sublinhe-se que a principal fonte de rendimento da REFER são as tarifas cobradas à CP pela utilização das vias e estações, pelo que as receitas desta empresa cairão juntamente com as receitas de bilheteira da CP.
Entre as vias traiçoeiramente encerradas em 2009 para “obras de modernização”, encontra-se o Ramal de Cantanhede, via óbvia para o descongestionamento da Linha do Norte em termos de tráfego de mercadorias que transitem de e para a Linha da Beira Alta, e três das quatro Vias Estreitas do Douro, privando definitivamente do acesso ferroviário outra capital de distrito – Vila Real – e estrangulando ainda mais o desenvolvimento de Trás-os-Montes e Alto Douro, fechando o acesso de centenas de passageiros à Linha do Douro e destruindo o valor intrínseco de disseminação dos visitantes do Douro – 3ª mais importante região turística portuguesa – pelo restante território trasmontano.
Relembre-se que todas estas vias têm sido os principais alvos de gestão danosa quer por parte da CP quer por parte da REFER, a qual deveria ser aprofundadamente investigada pelo Ministério Público: horários desajustados, estações encerradas e desinvestimento generalizado na via são as principais razões para a redução propositada da procura, em percursos onde a utilização quer do automóvel particular quer mesmo do autocarro – nos raros casos onde este é um serviço alternativo presente – é substancialmente mais onerosa.
É preciso dizer BASTA a estas medidas de TERRORISMO SOCIAL, motivadas por 30 anos de incompetência, má-fé, caciquismo, incúria, e laivos de corrupção. Nunca a diferença entre um esforço praticamente nulo no aumento das receitas e uma febre desenfreada e cega em cortar custos foi tão óbvia, e resultando sempre desgraçadamente no constante aumento do défice da CP e da REFER, e na depressão socioeconómica de vários concelhos, quer no Interior quer no Litoral, servindo apenas para piorar de forma desastrosa o cenário inicial.
Nesse sentido, é oficialmente criada a Plataforma Nacional de Defesa da Ferrovia, constituída pelo Movimento Cívico pela Linha do Tua, Movimento Cívico pela Linha do Corgo, Projecto Cultura e Cidadania, Movimento de Defesa do Ramal Pampilhosa – Figueira da Foz, Grupo de Amigos da Ferrovia Norte Alentejana, Grupo de Apoio à Ferrovia Aberta, e Associação Valonguense de Amigos da Ferrovia. Pretende-se no entanto a congregação de todos os movimentos de cidadãos nacionais que lutem pela ferrovia nacional, pelo seu património e pelos seus utentes, pelo que futuramente mais grupos como estes se juntarão a esta Plataforma.
Promoveremos todas as formas de luta que estejam ao nosso alcance para travar esta loucura de salvar défices monstruosos à custa das vias e dos utentes e regiões que mais têm pago por tanta incompetência néscia, dando mais voz ao descontentamento de utentes e cidadãos, que reconhecem todos os dias o papel extraordinário do caminho-de-ferro no bem-estar e desenvolvimento de várias comunidades, de Norte a Sul do território continental.

Pelos Movimentos constituintes:
Movimento Cívico pela Linha do Tua
Daniel Conde
www.linhadotua.net
linhadotua@gmail.com
Movimento Cívico pela Linha do Corgo
Daniel Conde
http://linhaferroviariadocorgo.wordpress.com
mclcorgo@gmail.com
Projecto Cultura e Cidadania
António Veríssimo e Luís Isidoro
http://pt-br.facebook.com/pages/PROJECTO-CULTURA-E-CIDADANIA/158973177506210
Movimento de Defesa do Ramal Pampilhosa – Figueira da Foz
Vítor Ramalho e Mário Vieira
http://pt-br.facebook.com/pages/Movimento-de-Defesa-do-Ramal-Pampilhosa-Figueira-da-Foz/103551123054179
Grupo de Amigos da Ferrovia Norte Alentejana
Paulo Fonseca
gafna@sapo.pt
Grupo de Apoio à Ferrovia Aberta
José Cândido
http://gafa.com.sapo.pt/
correio@linhastravessas.com
Associação Valonguense de Amigos da Ferrovia
Gabriel Lopes
http://www.avafer.pt.am/
Mirandela, 28 de Janeiro de 2012

Sem comentários:

Enviar um comentário