quarta-feira, 30 de março de 2011

Os faraós do Douro

Sexta-feira, 18 de Fevereiro de 2011
Julgo que ainda é considerada a maior obra de engenharia do século XX e tive oportunidade de a apreciar há uns anos atrás quando me dirigia para Assuão, no Egipto. A barragem foi muito badalada pelos melhores e pelos piores motivos. Começando pelo princípio, lembro o que vem nos manuais escolares: “o Egipto é um dom do Nilo” e, de facto, é perceptível até aos menos atentos os contornos verdes que acompanham aquele que é o rio com maior extensão.

O financiamento desta barragem foi polémico e, não tendo logrado obter ajuda por parte do ocidente, o governo egípcio recorreu à ajuda soviética e, desta forma, Alá quis, os egípcios sonharam e a maior barragem do planeta nasceu. Mas houve danos colaterais e foi anunciado ao mundo que o templo de Abu Simbel – complexo construído há mais de 3 mil anos pelo faraó Ramsés II – iria ficar submerso. Quando visitei este templo, os raios de sol já não agraciavam as estátuas de Amon-Rá e Ramsés porque esta maravilha arquitetónica tinha sido transportada, graças a uma complexa intervenção suportada pela UNESCO, para uma plataforma situada 200 metros mais acima. Isto quer dizer que a comunidade internacional percebeu que tinha de intervir. Ainda hoje a economia egípcia depende muito do turismo mas a agricultura saiu fortemente enriquecida com a barragem.
Por estas bandas lidamos com uma novela parecida, salvaguardando as devidas proporções. Mas, bolas, importante é o que está do lado de cá e, por isso, estamos a lidar com o início iminente da construção de uma barragem no Douro vinhateiro que, tal como em Assuão, vai provocar danos colaterais: 12 quilómetros da linha do Tua vão ficar submersos e isto é mais dramático do que a submersão da Aldeia da Luz, uma vez que não podemos erigir uma réplica desta linha ferroviária “mais acima”; depois, a navegabilidade do Douro vai ficar comprometida naquele segmento o que agrava mais a situação. Eu, que já tive o grato privilégio de gozar um cruzeiro no Nilo, não reduzo, por comparação, o mesmo gosto que senti quando subi o Douro, de barco, até ao Pinhão. A diferença é que a comunidade internacional não vai intervir na defesa da linha do Tua. A sociedade civil accionou os mecanismos para parar o imparável mas o IPPAR não é a UNESCO nem o Sócrates é um faraó. Não me apercebo que Deus tenha querido, mas o Governo sonhou, ou melhor, cismou, e a barragem do Baixo Sabor vai mesmo nascer, com ou sem alarido. Aliás, muito se berrou com o afundanço das gravuras rupestres quando Guterres anunciou a construção da barragem de Foz Côa.
Eu, como homem de fé, não espero que a linha do Tua saiba nadar, mas estou convicto de que ainda vamos ver os trilhos centenários a flutuar.


publicado por Laurentino às 19:12 em http://archotes.blogs.sapo.pt/21579.html

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